Se a Lei Seca nos EUA teve a batalha do agente Eliot Ness até a prisão do gângster Al Capone, o narcotráfico com tentáculos mafiosos do PCC tem no promotor de Justiça Lincoln Gakiya a versão brasileira do policial, homenageado no cinema em Os Intocáveis.

Há 20 anos no encalço da facção, Gakiya teve três planos de execução por integrantes da gangue contidos pela polícia. Isso somente dos planejamentos conhecidos, pois sabe que viverá sob juramento do tribunal do crime até o final da vida.

Com os fatos novos revelados pela operação Fim da Linha já podemos dizer que o PCC alcançou status de grupo mafioso?

Há alguns anos, eu classificava o PCC como organização criminosa em estágio pré-mafioso. O que os separava era lavagem de capitais estruturada, já que possuíam os demais requisitos para serem classificados como mafiosos. Com a operação, chegamos à participação deles como infiltrados nos poderes de Estado e caiu o último requisito, juntamente à corrupção de agente público. O PCC atingiu esse grau, sim, das máfias italianas.

A periculosidade da facção aumenta com a ampliação de atividades?

Sim, pois eles passam a fazer parte de esquemas de licitações públicas e, uma vez ganhas, prestam serviços essenciais, como transporte urbano na maior cidade do País, com frota e deslocamento de 15 milhões de passageiros por mês. Essas duas empresas capturadas (UPBus e Transwolff) possuiam contratos milionários; juntas, receberam da Prefeitura R$ 800 milhões no ano passado.

Sobre as propriedades do PCC no comércio, como em postos de gasolina, bares e até times de futebol, por que essa estrutura nunca foi desmantelada?

Uma coisa é ter indícios; outra coisa é ter provas cabais, como tivemos nesta operação. A Polícia Federal apurou uma rede de postos recentemente ligada ao PCC, mas não cabe investigação de todas as redes. Até porque eles já se sofisticaram e nem é algo mais que estamos indo atrás. Há investigação de fintechs sendo utilizadas pelo crime organizado para lavagem de dinheiroIsso é muito perigoso, pois eles estão criando os próprios bancos digitais. Eu diria que o PCC subiu de patamar e se tornou máfia, então não dá mais para ficar só em postos de gasolina, né? Já estão até no mercado financeiro, e isso dificulta bastante a nossa atuação.

Tudo do PCC começa e termina nos presídios. O senhor acredita que está sendo feito um bom trabalho de fiscalização nas unidades prisionais?

Eu acredito que sim. Em São Paulo, a gente tem bloqueadores de sinais de celular funcionando de maneira eficiente, mas trabalhamos muito pouco por interceptação telefônica. A informação ainda acontece durante a visita íntima e também no atendimento jurídico, que muitas vezes não tem nada de jurídico. Na operação Ethos (2015), que coordenei, pegamos 39 advogados que eram, na verdade, pombos-correio do PCC. E a verdade é que nem todas as ordens partem do presídio. Quando transferi a cúpula do grupo (em 2019, 22 líderes foram para presídios federais), foi desmantelada essa comunicação, já que foram isolados. Mas a empresa criminosa continua, pois todos os setores estão bem organizados.

Foi por conta desse episódio que o senhor ganhou status de inimigo nº1 da organização. Vale a pena ter se tornado uma espécie de Eliot Ness?

(Ri) Vou levar como elogio. (Sério) Ando com escolta 24 horas, 7 dias da semana, sem nenhuma possibilidade de que isso seja revertido. O meu problema começou em 2004 mas se agravou com os pedidos de remoção. Aí fui realmente decretado e já me disseram que não tem perdão — falaram que posso me aposentar, posso não estar mais atuando, que serei morto. Apenas lamento ter envolvido a minha família nesse risco, pois eles não escolheram isso. Se você pergunta se vale a pena, acredito que sim, pois olha o que já conseguimos de resultados.